Criança, me perguntava como seria reconhecer o próprio rosto em um estranho. Sabia que meu pai era um homem, não sabia o nome ou o paradeiro. O fantasma que nunca chegou a ser carne na minha vida deixou apenas um contorno vazio preenchido por perguntas sem resposta.
Domingo, no toca-discos, minha mãe colocava no som a música do Chico Buarque, Minha História, e cantava junto. “Ele assim como veio partiu não se sabe pra onde; e deixou minha mãe com o olhar cada dia mais longe”. Laiá, laiá. Ela cantava sobre ela mesma e de laiá em laiá fui crescendo.
Fui o filho que não conheceu o pai e agora sou o pai que não consegue imaginar a vida sem suas filhas. A paternidade me revelou o tamanho exato daquilo que me foi negado, a constelação de momentos que, costurados, formam minha capa de herói: os colos, o primeiro dia de escola, os beijos de boa noite, as brincadeiras no parque, as risadas no sofá, os livros que lemos juntos, as tarefas, os apoios, os conselhos sussurrados. Tudo isso me fez falta quando criança, mas hoje recebo tanto que no fundo acho que quem abandona um filho, na verdade, é quem mais perde.
Olho para minhas meninas crescendo e tenho pena do meu pai - e de todo pai que abandona. Eu e minha mãe nos viramos muito bem. Abandonada pelo meu vô e minha vó, contou com as amigas para me criar. Preencheu o espaço possível dessa ausência, mas alguns vazios têm a forma específica de um pai.
Ausência é a herança que decidi não transmitir. Cada abraço que dou em minhas filhas é também um abraço no menino que fui. Nas ruínas do que somos, os vagalumes dançam. Laiá laiá.
A vida é incrível.
Desejo a você muito mais do que sorte.
Marcos Piangers
Mamãe solo aqui agradece esse abraço em forma de texto 🥲🥰