Seu filho, esse ingrato
Esse texto é para todos aqueles pais e mães que já acharam que seus filhos eram ingratos.
Minha esposa nunca quis ter filhos, e não ajudou em nada quando, depois de uma gravidez surpresa, nossa filha a percebia apenas como um colo quentinho de onde poderia sugar leite infinito, e qualquer distância daquele peito a fazia chorar. Exausta, minha esposa esperava pelo menos um sorriso da bebê, um barulhinho agradecido pelo leite e cuidado, mas minha filha era muito séria e quando parecia que estava sorrindo, na verdade estava fazendo força para sujar a fralda. Pra piorar, quando eu chegava do trabalho, cheio de brincadeirinhas, a menina se abria em sorrisos e alegria, deixando minha esposa ainda mais indignada. Ingrata! - ela pensava.
Até os quatro anos, a criança não tem capacidade para entender passado e futuro.
Quer tudo o que quer, na hora que quer, não importa quantas balas e chocolates ela já comeu, não faz diferença, o fato é que agora, neste instante, ela não está comendo nenhuma bala ou chocolate e é por isso que irá se jogar no chão esperneando. O pai, que deu tudo o que o filho pediu, irá pensar - Ingrato!, mas o filho não tem culpa. O filho, como o pai, não pediu para vir ao mundo. Veio desavisado, acha que os outros estão ali para servi-lo, e isso segue durante toda a infância. Depois, na adolescência, principalmente na adolescência.
O pai, que esqueceu que foi filho, acha o filho um ingrato.
O filho que não agradece pelo quarto novinho que o pai mobiliou, nem cuida dos brinquedos que o pai comprou depois de trabalhar tanto. O pai que dá todo amor para o filho, se compara com o próprio pai, muito menos amoroso, e espera que o filho agradeça. Olha como te amo, o pai pensa, eu podia ser muito pior, me agradeça. Mas o filho, que não sabe e nem quer saber de nada disso, em algum momento pedirá para o pai estacionar longe da escola. Terá vergonha de tanto amor. Ingrato.
Mesmo o pai ruim, que bate no filho e o castiga, pensa - Ingrato!, pois seu próprio pai batia mais forte e castigava mais violentamente. O pai ausente pensa - Ingrato!, pois seu pai era ainda mais ausente ou agressivo. O pai que dedicou sua vida ao filho pensa - Ingrato!, quando o jovem não faz nada importante da vida.
Então, o jovem cresce e daquele jovem nasce um filho. O pai vê o olhar do filho se luminar. Verá, nos próximos anos, o filho passar adiante todo seu amor e atenção, verá o filho ser até mais amoroso e atento, até mais doce do que foi ele próprio. Não era ingrato, coisa nenhuma. O filho, afinal, guardava dentro dele os tesouros que o pai lhe dava, para passar adiante.
A vida é incrível.
Desejo a você muito mais do que sorte.
Marcos Piangers
reflexão excelente! gratidão!
sempre excelente. Abraço, Piangers!